18 de julho de 2011

O acaso, amor e seus desastres - CAP. VI

 Luísa abre a porta e “dá de cara” com Miguel segurando uma garrafa de vinho.
- Oi vizinha!
- Oi.
Silêncio.
- O quê que foi?
- O quê que foi o quê?
- Tá querendo falar comigo?
- Eu? Não, por quê?
- Tá parado na minha porta porque então?
Silêncio.
- Aé! (sorrisos sem graça)
 ... Eu tava aqui experimentando seu tapete, gostei dele, achei bacana e aí vim aqui pisar pra sentir... Entendeu?
Miguel tira o tênis. A imagem é dos pés descalços número  44 de Miguel pisoteando o tapete e se atrevendo a dançar uma valsa sobre ele. Luísa observa a cena bizarra.
- Você é estranho.
- Onde comprou?
- (Risos) Sei lá.
- Acho que vou querer um desse.
- Tá bom.
Silêncio.
- Então... Pode me dá licença?
- Aonde você vai?
- Colocar meu lixo no corredor. Posso?
- Ah claro, por favor.
Miguel dá espaço para Luísa passar e continua plantado em sua porta, dançando sobre o tapete.
- O quê que foi Miguel?
- Nada.
- Continua parado na minha porta.
- Tá esperando alguém para o jantar?
- Porque quer saber?
- Deve ser uma pessoa especial para ser recebido com Mini vol-au-vents recheados com espinafre perfumado com feno grego.
Luísa agora fica paralisada.
- Como sabe o que estou cozinhando?
- O cheiro. Espinafre perfumado é inconfundível. Adoro culinária francesa.
- Ah tá. O cineasta entende de culinária francesa... Piada do dia.
- Posso dizer que sou um bom apreciador. O que está preparando para o prato principal? Porque que eu saiba o Mini vol-au-vents é servido como entrada.
- Qual é Migue?? Tava parado na minha porta espionando meu jantar? Que ridículo!
- Bom... Se estivesse esperando alguém essa pessoa estaria muito atrasada, não se chega onze horas da noite para um jantar.
- Eu não estou esperando ninguém. Não que isso seja da sua conta.
- Está cozinhando Mini vol-au-vents recheados com espinafre perfumado com feno grego para comer sozinha? Isso é o cúmulo da solidão.
- Que saco, dá pra parar de ficar repetindo toda hora o nome do prato?
... Eu estou experimentando. É o meu trabalho lembra? Trouxe algumas receitas da França e aos poucos estou testando...
- É. Isso é ótimo para fazer num sábado à noite.
- Pois é... Eu preciso entrar...
- Pera aí que tive uma idéia... Precisa de um degustador?(sorriso sínico)
- Definitivamente não. Prefiro trabalhar sozinha.
- Mais... Eu tenho um Pinot Noir do Novo Mundo e cairia muito bem...
- Está se convidando para jantar comigo?
- É comida francesa. Vale esse sacrifício...
- Você é muito ridículo.
- Desculpa, não resiste... Mas é serio, porque não tomamos esse vinho, jantamos, conversamos? É sábado, e estamos os dois sozinhos...
- Eu não tenho motivo nenhum para te convidar para jantar... Muito pelo contrario tenho todos para não deixar você entrar na minha casa.
- Podemos tentar começar pelo zero. Somos vizinhos de porta, não podemos ficar nessa guerra eternamente. A gente se conheceu em um dia ruim para os dois, foi um acidente, eu sei que você não me atropelou de proposito.
- Ah! Então você admite que fez um barraco, me colocando numa situação constrangedora, simplesmente porque estava num dia ruim?
- Você não tem noção do que eu tinha passado aquele dia...
- Nada justifica Miguel, você foi injusto comigo. Eu olhei no retrovisor antes de sair com o carro, eu tenho certeza. Não tinha nada na rua, você surgiu do nada...
- Eu estava desorientado, completamente desgovernado... Não via nada na minha frente... E depois acabei descontando em você toda minha raiva...
- Raiva de que? Do que?
- Ah deixa isso pra lá. Eu te conto em outra oportunidade.
- Você não acha que me deve desculpas?
- É. Devo... Desculpa Luísa... Mas você também deve me pedir desculpas.
- Por quê?
- Pelas grosserias...
- Quem é o grosso da historia aqui é você.
- Luísa!! Você é mesmo turrona né?
- Se faz tanta questão... Desculpa.
- E o nosso jantar?
- Tudo bem. Eu não sei o que está querendo com isso, mas eu fiquei curiosa...
- Isso é um sim?
- Entra Miguel... E vamos ver no que isso vai dar.
Miguel entra no apartamento e para no meio da sala.
- Eu tenho que confessar três coisas antes...  Eu não entendo nada de comida francesa, não faço ideia do que seja mini vol-au-vents. Não senti o cheiro da comida do corredor... E pesquisei na internet um vinho para comprar. Foi a Sarah que me disse que iria ficar sozinha no sábado para cozinhar...
- Claro que tinha dedo da Sarah. Tava tudo estranho demais.
- A ideia foi minha. Eu falei com ela que não queria ficar nessa briga, a gente conversou sobre você, sobre os nossos encontros e desencontros e ela acabou comentando sobre seu plano para hoje à noite, e eu fiquei aqui na porta que uma barata tonta, ensaiando o que ia falar...  E você me pegou no pulo... O pedido de desculpas é sincero, Luísa. Eu quero mesmo tentar ter uma convivência legal com você.
Luísa fica em silêncio encarando Miguel.
- Você não pode me desconvidar...
- Se estamos levantando a bandeira da paz, eu também tenho que confessar uma coisa... Eu fico fofocando de você com o Josué... Às vezes.
- Não sabia que se interessava assim pela minha vida...
- ... Eu posso sim te desconvidar.
- Ah não já estou aqui dentro, e daqui não saio.
- Eu espero profundamente não me arrepender disso.
Luísa fecha a porta.

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