19 de junho de 2012

Cartas de amor (O beijo prometido de Clarice)

As margaridas amarelas que você me mandou há algum tempo já estão mortas, mas o vaso de porcelana azul ainda faz parte da decoração da cozinha.
Na ultima carta que você me escreveu disse que mandaria outro buquê... Eu estou esperando.
AS coisas por aqui continuam iguais.
O caminho de pedra.
A missa de domingo.
A casinho de tijolo na esquina.
O pé de jabuticaba.
O trem passa no mesmo horário todo domingo.
O velhinho da barraca continua escutando a mesma música...
E eu...
Continuo esperando o beijo prometido.
Passei batom vermelho.  Fiz café e coloquei na radio a estação que você gosta.


Apresentação no Centro Cultural Nenhum dos Mundos - Betim-MG
18.05.2012

4 de outubro de 2011

Idéias para uma nova cena

O beijo de Clarice

Cenário: Um sofá. Um armário pequeno com livros. Uma mesinha com um porta-retratos com a foto do casal. Uma mesa de centro. Um jarro com margaridas amarelas.


1º Cena

Clarice arruma carinhosamente as margaridas amarelas no jarro de porcelana. Cantarolando troca o jarro de móveis algumas vezes. Coloca na mesinha ao lado do sofá, depois no armário ao lado dos livros e por fim na mesa que esta posta com o café da tarde. Duas xicaras a mesa. Clarice senta, serve café, com intenção de estar esperando alguém, passa os dedos nas margaridas. Toma café sozinha.

2º Cena

No fundo bolero. Miguel organiza os livros no armário. Foleando um e outro. Escolhe Drummond e começa recitar uma estrofe do poema “O amor bate da aorta”:

Miguel: Amor é bicho instruído.
Olha o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de ser estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.

Clarice aparece atrás do sofá e observa Miguel com olhar amoroso. Recita a parte final do poema.

Clarice: Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo corpos, vejo almas
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
Que não ouso compreender...

Miguel e Clarice: Carlos Drummond de Andrade.

Miguel: Dança comigo querida. (meu amor)

O casal dança bolero na sala.

18 de julho de 2011

O acaso, amor e seus desastres - CAP. VI

 Luísa abre a porta e “dá de cara” com Miguel segurando uma garrafa de vinho.
- Oi vizinha!
- Oi.
Silêncio.
- O quê que foi?
- O quê que foi o quê?
- Tá querendo falar comigo?
- Eu? Não, por quê?
- Tá parado na minha porta porque então?
Silêncio.
- Aé! (sorrisos sem graça)
 ... Eu tava aqui experimentando seu tapete, gostei dele, achei bacana e aí vim aqui pisar pra sentir... Entendeu?
Miguel tira o tênis. A imagem é dos pés descalços número  44 de Miguel pisoteando o tapete e se atrevendo a dançar uma valsa sobre ele. Luísa observa a cena bizarra.
- Você é estranho.
- Onde comprou?
- (Risos) Sei lá.
- Acho que vou querer um desse.
- Tá bom.
Silêncio.
- Então... Pode me dá licença?
- Aonde você vai?
- Colocar meu lixo no corredor. Posso?
- Ah claro, por favor.
Miguel dá espaço para Luísa passar e continua plantado em sua porta, dançando sobre o tapete.
- O quê que foi Miguel?
- Nada.
- Continua parado na minha porta.
- Tá esperando alguém para o jantar?
- Porque quer saber?
- Deve ser uma pessoa especial para ser recebido com Mini vol-au-vents recheados com espinafre perfumado com feno grego.
Luísa agora fica paralisada.
- Como sabe o que estou cozinhando?
- O cheiro. Espinafre perfumado é inconfundível. Adoro culinária francesa.
- Ah tá. O cineasta entende de culinária francesa... Piada do dia.
- Posso dizer que sou um bom apreciador. O que está preparando para o prato principal? Porque que eu saiba o Mini vol-au-vents é servido como entrada.
- Qual é Migue?? Tava parado na minha porta espionando meu jantar? Que ridículo!
- Bom... Se estivesse esperando alguém essa pessoa estaria muito atrasada, não se chega onze horas da noite para um jantar.
- Eu não estou esperando ninguém. Não que isso seja da sua conta.
- Está cozinhando Mini vol-au-vents recheados com espinafre perfumado com feno grego para comer sozinha? Isso é o cúmulo da solidão.
- Que saco, dá pra parar de ficar repetindo toda hora o nome do prato?
... Eu estou experimentando. É o meu trabalho lembra? Trouxe algumas receitas da França e aos poucos estou testando...
- É. Isso é ótimo para fazer num sábado à noite.
- Pois é... Eu preciso entrar...
- Pera aí que tive uma idéia... Precisa de um degustador?(sorriso sínico)
- Definitivamente não. Prefiro trabalhar sozinha.
- Mais... Eu tenho um Pinot Noir do Novo Mundo e cairia muito bem...
- Está se convidando para jantar comigo?
- É comida francesa. Vale esse sacrifício...
- Você é muito ridículo.
- Desculpa, não resiste... Mas é serio, porque não tomamos esse vinho, jantamos, conversamos? É sábado, e estamos os dois sozinhos...
- Eu não tenho motivo nenhum para te convidar para jantar... Muito pelo contrario tenho todos para não deixar você entrar na minha casa.
- Podemos tentar começar pelo zero. Somos vizinhos de porta, não podemos ficar nessa guerra eternamente. A gente se conheceu em um dia ruim para os dois, foi um acidente, eu sei que você não me atropelou de proposito.
- Ah! Então você admite que fez um barraco, me colocando numa situação constrangedora, simplesmente porque estava num dia ruim?
- Você não tem noção do que eu tinha passado aquele dia...
- Nada justifica Miguel, você foi injusto comigo. Eu olhei no retrovisor antes de sair com o carro, eu tenho certeza. Não tinha nada na rua, você surgiu do nada...
- Eu estava desorientado, completamente desgovernado... Não via nada na minha frente... E depois acabei descontando em você toda minha raiva...
- Raiva de que? Do que?
- Ah deixa isso pra lá. Eu te conto em outra oportunidade.
- Você não acha que me deve desculpas?
- É. Devo... Desculpa Luísa... Mas você também deve me pedir desculpas.
- Por quê?
- Pelas grosserias...
- Quem é o grosso da historia aqui é você.
- Luísa!! Você é mesmo turrona né?
- Se faz tanta questão... Desculpa.
- E o nosso jantar?
- Tudo bem. Eu não sei o que está querendo com isso, mas eu fiquei curiosa...
- Isso é um sim?
- Entra Miguel... E vamos ver no que isso vai dar.
Miguel entra no apartamento e para no meio da sala.
- Eu tenho que confessar três coisas antes...  Eu não entendo nada de comida francesa, não faço ideia do que seja mini vol-au-vents. Não senti o cheiro da comida do corredor... E pesquisei na internet um vinho para comprar. Foi a Sarah que me disse que iria ficar sozinha no sábado para cozinhar...
- Claro que tinha dedo da Sarah. Tava tudo estranho demais.
- A ideia foi minha. Eu falei com ela que não queria ficar nessa briga, a gente conversou sobre você, sobre os nossos encontros e desencontros e ela acabou comentando sobre seu plano para hoje à noite, e eu fiquei aqui na porta que uma barata tonta, ensaiando o que ia falar...  E você me pegou no pulo... O pedido de desculpas é sincero, Luísa. Eu quero mesmo tentar ter uma convivência legal com você.
Luísa fica em silêncio encarando Miguel.
- Você não pode me desconvidar...
- Se estamos levantando a bandeira da paz, eu também tenho que confessar uma coisa... Eu fico fofocando de você com o Josué... Às vezes.
- Não sabia que se interessava assim pela minha vida...
- ... Eu posso sim te desconvidar.
- Ah não já estou aqui dentro, e daqui não saio.
- Eu espero profundamente não me arrepender disso.
Luísa fecha a porta.

1 de maio de 2011

O acaso, amor e seus desastres - CAP. V


Vizinhos no dicionário: Que está próximo ou perto
Luísa passou a semana vigiando o novo vizinho e seus hábitos estranhos. Sempre que fazia barulho no corredor corria para o olho vivo e depois abria a porta como se fosse sair e tentava ouvir alguma coisa lá de dentro. Miguel saia todo noite e voltava de madrugada e em alguns dias de manhã, como Luísa trabalhava o dia inteiro, Josué era quem contava a rotina do vizinho, fofocar para ele não era difícil. Apenas um dia dessa longa semana Luísa e Miguel se esbarraram.
- Bom dia vizinha. Você saindo e eu chegando.
Miguel estava carregando uma câmera filmadora enorme e pesada, estava com uma cara de ressaca e com a roupa toda suja de barro. Estendeu a mão para cumprimentar Luísa e ela se esquivou com um sorrisinho sem graça.
- Pois é. Bom dia pra você também.
- Tá indo trabalhar?
 - Não. To indo à padaria.
- Engraçado a gente não ter se esbarrado ainda, ultimamente se cruzar tem sido nossa sina, e agora que somos vizinhos não nos encontramos, estranho.
- Pois é.                            
- Não tá para conversa hoje né? Acordou de mau humor?
- É. Mas tudo melhora depois de um café.
- Você também é viciada em café?
- Sou.
Entrou no elevador.
No mesmo dia mais tarde. A campainha do apartamento 603 toca.
- Josué? Você não estava de folga?
- Eu to Sr.ª Luísa, mas eu preciso de um favor...
- O quê? Aconteceu alguma coisa?
- Não, aconteceu nada não... Lembra da camisa que eu te falei que o vizinho estranho me deu?
- Lembro.
- Eu queria que a Senhora lesse pra mim a frase que ta escrita nela, porque é em outra língua e eu não entendo.

Camisa branca com a frase escrita em letras grandes e pretas: I'm not gay but my boyfriend is

Campainha do 602 toca.
- Vizinha?
Uma camisa voa e chega junto com a palavra:
- Idiota!
- Que isso? Tá louca?
- Você não tem vergonha de fazer uma palhaçada dessas com um cara de 60 anos?
- O que eu fiz?
- Você é ridículo!
- Isso tudo por causa dessa camisa? Fala sério...
 - O Josué é um Senhor de idade, humilde, um cara bacana e muito querido aqui no prédio...
- Eu não quis ofender ele... De jeito nenhum, pelo contrário, eu quis agradecer por ter me ajudado com a mudança e aí peguei a primeira camisa que vi e deu pra ele...
- Ohh! Como você é generoso...
- Se não quer acreditar tudo bem, não posso fazer nada.
Luísa vira as costas e sai andando em direção a sua porta.
- Depois eu que sou ignorante...
- Ignorante, ridículo e idiota...
- Ahhh...
Luísa bate a porta. Miguel grita no corredor:
- Ah é só para esclarecer, eu não sou gay, essa camisa foi uma brincadeira sacana dos meus amigos.
Luísa abre a porta e grita:
- Eu não estou nem aí se você é gay ou não, não tenho nada haver com a sua vida e alias, eu não me interesso pela sua vida...
Bate a porta de novo. Gritos no corredor:
- Grossa.
- Idiota.

17 de abril de 2011

O acaso, amor e seus desastres – Cap. IV

Destino no dicionário: Ordem natural estabelecida do universo. Geralmente é concebido como uma sucessão inevitável de acontecimentos provocados ou desconhecidos.
Avenida Novelli - Centro, prédio 1.407, 6º andar, apartamento 603. Um prédio antigo, construído entre as décadas de 30 e 40, arquitetura moderna para época, com varandas amplas nos apartamentos, no 1º andar existe uma galeria que se divide em pequenos estabelecimentos, uma barbearia, uma lavanderia, uma livraria e um café.
Luísa entra com sacolas de supermercado nas mãos e passa correndo pela portaria.
- Oi Josué!
- Senhora Luísa... Senhora Luísa!
- To com pressa Josué.
- Mas Senhora Luísa...
- Tchau Josué.
Josué é o porteiro que trabalha no prédio há mais de 30 anos.  É prestativo, este sempre disposto ajudar os moradores, tem verdadeira paixão pelo seu emprego, o problema é que ele fala demais, conta casos que nunca tem fim. Sabe de tudo e de todos. Luísa não tem muita paciência com as historias dele, na verdade, Luísa não consegue conversar com ele por muito tempo sem ter um ataque de riso. Josué tem um “tique nervoso”, ele faz umas caretas e barulhos muito estranhos quando fala.
- Deixa eu te ajudar...
Entrou no elevador. Depois de alguns minutos...
- Oh Josué, o que significa aquela confusão no meu andar?
- Era isso que eu estava tentando falar, mas a senhora não quis me escutar...
- Tá bom Josué. O quê que aconteceu lá em cima?
- A senhora não mora mais sozinha no 6º andar.  Alugaram o apartamento 602.
- Aé? E quem é o novo morador?
- É um rapaz, deve ter mais ou menos a sua idade. Chegou ontem à noite com a mudança e saiu de madrugada.
- Mas os móveis estão todos espalhados pelo corredor, eu não conseguir nem chegar à minha porta.
- A senhora não viu a mudança ontem, porque não dormiu em casa, está de namorado novo?
- Não Josué, eu estava na casa dos meus pais... Mas esse morador não devia ter colocado os móveis dentro do apartamento?
- É. Devia... Ele é estranho...
 - Estranho como?                     
- Trouxe a mudança numa Kombi azul velha, estava sozinho e eu que ajudei a colocar as coisas no elevador... Cada treco mais esquisito... E o pior a senhora não sabe...
- O que Josué?
- Ele tava vestindo uma saia? Nunca vi homem usando saia...  Depois ele tirou de dentro da mala uma camisa e me deu, disse que era como agradecimento...
- Ele saiu de madrugada e você não viu aquela bagunça lá em cima?                             
- Como eu ia ver? A senhora sabe que se saio da portaria de madrugada aquela sindica horrorosa me xinga. Parece que ela não dorme, fica me viajando a noite inteira, não posso nem ir ao banheiro...
- Ai senhor! Era só o que me faltava...
- A senhora quer que suba e tente arredar os móveis.
- Melhor não. Deixa que eu me viro lá.
Luísa entra no elevador e antes da porta se fechar:
- Segura a porta aí!!
Um homem de saia entra carregando uma samambaia enorme.
- Valeu.
Ele coloca a planta no chão.
Silêncio (por alguns segundos)
- Você é o novo morador do 602? Eu não acredito.
- Pois é, parece que vamos ser vizinhos.
Silêncio novamente (por alguns segundos)
- Eu to começando a ficar com medo dessas coincidências...
- Você sabe se a Sarah gosta só dessas coisas de astrologia, numerologia, ou se ela se interessa por magia negra, feitiço, bruxaria...
Ataque de risos no elevador.

12 de abril de 2011

Diário de uma nova educadora - Parte III


Sim. Existe uma luz no fim do túnel, e eu enxerguei. Bem lá no fundo...

Depois de muita confusão, conseguimos enfim apresentar nossa primeira peça no projeto. Na sexta feira (08/04/2011) os meninos receberam a visita de uma escola particular, os educadores preparam competições de futebol, vôlei e “queimada”, tivemos lanche e almoço especial e a apresentação da peça com o tema da dengue.
Foi uma correria, mas no final deu tudo certo. Fiquei surpresa com a atuação dos “meus meninos”, todos adoraram, e logo que acabou a apresentação já teve educando correndo atrás de mim querendo estar na próxima peça.  A impressão que ficou foi ótima.
Eu fiquei feliz e um pouco aliviada, agora eu sei que podemos...
Temos um talento escondido, uma aluna querida, que contracenou comigo, pois sua colega de cena “abandonou o barco no meio do mar”... Nos ensaios eu percebi o quanto era especial, decorou as falas muito rápido, é comunicativa e espontânea, mas não gostava de ensaiar, e quando pedia mais expressão, ela falava “to preguiça, fessora”, mas escutava com atenção os toques e me prometeu que no dia da apresentação iria fazer do jeito que eu falava... E fez.
Talentos assim, eu sei que existem vários ali, o problema e a tal da preguiça...
Incentivar esses meninos a preparação de uma peça, desde a idéia principal até o roteiro, aquecimentos, alongamentos, estudos dos textos, ensaios... É complicado. Tenho que descobrir uma maneira de estimular interesse deles em relação a esse processo, que é tão importante.
Ontem tive problemas na aula da turma 3 de tarde. Aluno que nunca fez minha aula, que sempre criticou teatro, que atrapalha tudo e todos. Foi muito chato a situação, tive até que escutar que eu não sei dar aula. A nossa peça Show de talentos está meio balançada, os meninos estão na mesma “preguiça” de ensaiar, os textos não estão decorados e a professora, eu, tenho que ficar insistindo para ensaiar... “Chutei o balde”, e ficamos sem fazer nada durante a aula, depois vieram me cobrar e prometeram ensaiar na quarta.
Não sei se agi correto ontem, às vezes percebo que minhas atitudes poderiam ser diferentes, depois que a situação passa que eu converso com outras pessoas... Mas eu sou uma “nova educadora”, e por mais livros que leio, por mais textos que estudo, por mais opiniões que escuto estar lá vivendo é outra realidade. Eu nunca vou estar pronta.

“Ninguém educa ninguém. ninguém educa a si mesmo; os homens educam-se uns aos outros mediatizados pelo mundo”
Paulo Freire